Crime em Nova Friburgo - A Literariedade em textos jornalísticos


O bicentenário de Nova Friburgo tem se mostrado bastante prolífico no tocante a iniciativas de resgate da memória da cidade. Um desses projetos é a página na rede social Facebook "Rumo aos 200 anos", coordenada pelos pesquisadores Pigeobau Pierre e Janaína Botelho. A maioria de suas postagens trata-se de recortes antigos de jornais, fruto de intensa pesquisa na Hemeroteca Biblioteca Nacional e um deles me chamou bastante atenção. Intitulado "Crime em Nova Friburgo" é uma notícia de um crime ocorrido no dia 24 de junho de 1829 na "nova vila" em que se destaca a "literariedade" da notícia, em uma época em que o jornalismo era totalmente diferente do que conhecemos em nossos dias - e no qual não pretendo me deter neste artigo. Outra característica que me chamou a atenção foi a grafia do Português utilizado na época - também muito distinto.


Trabalhos como este contribuem tanto pela informação de outros tempos, quanto pelas particularidades do texto e  do veículo, nos fazendo compreender melhor nossa história e o que somos. Sem mais delongas, segue abaixo o texto transcrito, tal qual foi divulgado na época.

Jornal do Commercio 3-7-1829 (Hemeroteca Biblioteca Nacional)

Morro Queimado ou Nova Friburgo

Acaba-se de commeter na nova Villa hum assassinio revestido de circunstâncias que augmentão o horror d’este crime. Allegro Pai de família residente no Rosário chegou a 24 de junho à nossa Villa, para n’ella fazer baptizar hum seu filho. O dia 24 era Santo: o tempo estava bello, e havia hum numeroso concurso dos habitantes das circunvisinhanças. Nada pressagiava que este dia consagrado a deveres religiosos e à recreação, se terminaria com uma scena de sangue.

O desgraçado Allegro depois de se haver retirado às 8 horas e meia da noite, tendo assistido a huma representação de Theatro que fizerão alguns moradores d’este sítio passeava tranquilamente na frente de sua habitação, fazendo horas para se deitar; sendo observado, e chegando a hum dos extremos, achou-se de repente surprehendido, e assaltado por hum numero de assassinos. Estendido sobre o chão, a notícia s’espalhou logo que hum homem havia sido espancado à mortem e que seus assassinos foram vistos a fugir a toda a pressa, o alarme faz-se geral, e sabe-se que Allegro he a victima.

Não obstante os cuidados que lhe foram prodigalisados, os talentos do Doutor Baziel n’applicação dos remédios só sobreviveo 3 dias no seu cruel estado.

Huma das occorrencias mais atrozes d’este assassinio, e que distingue o caracter dos assassinos, he que depois de haverem saciado a sua ferocidade, havendo-lhe aberto o cranco a pancadas de páo, quebrado todos os dentes, e atravessado huma faca pelo pescoço, temendo-se talvez que a morte revellasse os criminosos, cortarão-lhe a língua.

Parece que a penna recusa-se a traçar estes detalhes. As mais fortes suspeitas recahirão logo sobre alguns indivíduos bem conhecidos, e que todos cuidão em evitar, os quaes graças à impunidade, ou à nullidadede meios repressivos tem-se accumulado crimes sobre crimes.

O mesmo desgraçado Allegro antes de morrer, por movimentos affirmativos com a cabeça, às perguntas que se lhe fazião, parece tê-los designado à Justiça. Existem outras provas mais evidentes ainda.

Os mesmos páos que foram achados no lugar do assassinio tintos de sangue, foram vistos nas mãos d’esses indivíduos de dia; ha testemhunhas que os virão incurta-los, e que os pedaços que foram separados coincidião com os mesmos páos, se estas circunstâncias todas forem combinadas, ver-se-há que não pode haver contra elles accusação mais grave.

Ouvimos dizer que o Governo ordenou logo que se abrisse huma devassa; Esta forma de proceder, segundo nos parece, para que tivesse bom resultado, devia de ser precedida da remessa de 5 ou 20 Soldados a fim de proteger efficazmente tanto a segurança como o castigo dos criminosos: de outra forma quem se animara a revellar o que vio, e o que ouvio sabendo que os assassinos estão em plena liberdade, que podem rondar a sua casa, e ser victima da sua deposição. O mesmo substituo Juiz de Paz Mr. Quevremont, não está seguro.

Estas considerações são tanto mais verdadeiras  que a Camara do Morro Queimado pedio ao Governo huma força armada, visto que a que existe he nulla tanto pelo seu numero como pela sua qualidade.

Estamos aqui todos na maior auxiedade, que será das vantagens da feliz temperatura d’este clima, que no verão nos motiva a vinda de muitos estrangeiros, se estes tem a temer pela sua vida, se souberem que aqui pode-se ser criminoso impunemente.

Tal he Sr. Redactor, a narração succinta de huma Scena dolorosa, e horrivel nos seus detalhes, e que he impossivel que o Governo não tome na mais séria consideração.


George dos Santos Pacheco
georgespacheco@outlook.com

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